Uma pequena observação, feita por alguém que não é economista nem um estudioso da Irlanda: a idéia de que a República da Irlanda entrou em crise porque abraçou selvagemente o neoliberalismo do consenso de Washington é errada. O mito do tigre verde é uma criação de ideólogos neo-liberais e da união européia. É verdade, ao longo da década de 90 a Irlanda abaixou taxas sobre empresas estrangeiras, virando um paraíso fiscal para estas. Isso alavancou o crescimento da Irlanda a taxas nunca antes experimentadas, mas o problema não estava aí. A Irlanda permanecia um Estado com fortes políticas sociais, algumas de cunho duvidoso: moradores de Dublin não pagam pela água, artistas não pagam imposto de renda e na vizinhança pobre onde minha cunhada assitente social trabalha as filhas de mães solteiras desempregadas vestem roupa de grife (um indicador interessante: uma das pacientes de minha cunhada mandou roupas novinhas para o Amianinho, pois o filho dela tinha muitas).

Além disso, a República foi o país que mais entusiasticamente abriu as portas para os trabalhadores do Leste Europeu – em busca de mão d eobra barata sim, mas não deixou de oferecer serviços e direitos sociais a todos (algo que a Inglaterra não fez/faz). Agora, com a crise, veremos como vai ficar.

Mas o que jogou na Irlanda na crise, na minha opinião, foi outra coisa. O que eles fizeram lá (como estamos a fazer cá) foi que construtores e empreendedores eram os maiores financiadores dos políticos, numa época em que a união européia supria uma demanda por crédito muito barato. A Irlanda mudou demaisem pouco tempo, e todo lugar virou um canteiro de obras. A floresta perto da aldeia onde vivem meus sogros foi derrubada para a construção de um conjunto social que previa 200 famílias num lugar com infra-estrutura para 200 pessoas. Ou seja, especulação selvagem e desenfreada. Ao mesmo tempo, bancos europeus super gananciosos queriam tirar vantagem desta situação, emprestando dinheiro para investimentos loucos sem a menor chance de retorno. O property boom lá ia explodir a qualquer momento, mas o dinheiro barato alimentava a expansão do mercado imobiliário. Órgãos reguladores? Supervisão do governo? Como, se os políticos estavam no bolso das incorporadoras? (Alô-alô Niterói, alô-alô São Paulo do Kassab!!). O que explodiu foi isso.

Aqui o Krugman acerta em cheio: a Irlanda vai voltar aos anos 60 porque o governo foi emparedado pela Alemanha e França a aceitar um empréstimo astronômico para pagar débitos com bancos alemães e franceses, quando estes bancos deviam ter ido pro saco por sua irresponsabilidade. E a Irlanda vai sofrer.

ps: nada disso é baseado em estudo sério ou análise sensata, mas em jornais, conversas e livros lidos nas férias de natal dos últimos anos.

ps2: eu mudei o início do texto, porque ele era apresentado como resposta a um comentário do JP, mas acho que com isso eu representava o comentário de maneira equivocada. De qualquer maneira, fica aí o post, pois eu gosto do assunto!